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O EMBRIÃO

          A história começa quando amigos que  compartilhavam a mesma inquietação se unem com a vontade de criar algo próprio. No final dos anos 1990, Ari, ainda com 12 anos, aprendeu a tocar guitarra e decidiu montar uma banda com os amigos de colégio. Em 1998, ele convenceu Nicolas a comprar um baixo, plantando as primeiras sementes do que viria a ser o grupo. No ano seguinte, Christian entrou na mesma sala de aula e logo começou a se interessar por música também — aprendendo os primeiros acordes com Ari, que o ensinava pacientemente.

         

          A vontade de ter uma banda era tamanha que os três amigos começaram a ensaiar e compor, ainda sem grandes pretensões. Nascia ali a banda Síndrome, formada oficialmente por volta de 2001, período em que passaram por alguns bateristas temporários, tocando em pequenos eventos e experimentando sons até 2004. Foi nesse ano que o destino apresentou um novo integrante: Márcio, colega de faculdade de Ari. Os dois se encontraram casualmente em uma escada rolante e, depois de uma conversa rápida sobre música, Ari o convidou para uma sessão de ensaio. Márcio se tornaria o baterista original da formação clássica da banda. A química foi imediata — e com isso, o grupo finalmente encontrou sua identidade.

 

          Entre 2004 e 2005, a banda intensificou os ensaios e começou a trabalhar suas primeiras músicas próprias. Em 2005, gravaram seu primeiro álbum no estúdio Red Floor, estúdio dos integrantes da antiga banda Maldita. Nesse mesmo período, Ari frequentava regularmente a pista de skate, onde se reunia com os membros da então crew C.O.N.E. (Com Os Neurônios Evaporando) (McCert, Rany Money,  Maomé, Papatinho, Batoré). Inspirado pelo conceito criativo e pela energia do grupo, decidiu rebatizar a Síndrome como Banda Cone.

           Lançado em 2005, Esse É o Movimento rendeu as três primeiras apresentações ao vivo da banda naquele ano, dando início oficial à jornada da Banda Cone, que nasceu da amizade, da persistência e do desejo incontrolável de transformar som em movimento.  O disco não refletia a juventude ou o momento da cidade — ele se colocou como uma âncora, um embrião de algo maior, uma continuidade de um sentimento que já estava se perdendo: o espírito livre, crítico e verdadeiro da música alternativa. Com guitarras hardcore em tom de protesto, o álbum trazia letras diretas e afiadas. Faixas como “Retirando a Máscara” faziam uma crítica ácida à geração moldada pela televisão, antecipando o fenômeno dos reality shows que viria a dominar a cultura pop. “Emissário Submarino” denunciava a poluição causada pelo emissário da praia, e “Ausente” condensava a força e a urgência emocional da fase.  Entre as faixas, “Foda-se o Sistema” — a primeira composta por Ari, aos 17 anos — se destacava por traduzir fielmente sua atitude e inconformismo na época, tornando-se o ponto de partida conceitual da banda. A faixa-título, “Esse É o Movimento”, trouxe um crossover entre rap e rock, contando com a primeira participação e gravação de McCert em estúdio. O álbum ainda incluía “Rei do Orkut”, uma bossa nova crítica e bem-humorada sobre o início da era digital e seus vícios sociais.

          Logo após o lançamento, Papatinho que na época estava fazendo seus primeiros beats, ouviu o disco e ficou impressionado ao perceber que Cert estava fazendo rap — um movimento ousado e à frente de seu tempo. Esse É o Movimento não foi apenas o primeiro registro da Banda Cone; foi o presságio de uma nova cena, a faísca que manteve acesa a chama de uma geração que se recusava a se conformar.

          Entre os anos de 2005 e 2011, a Banda Cone viveu uma fase intensa de amadurecimento musical e consolidação de identidade. Nesse período, o grupo realizou diversas apresentações, ganhando espaço na cena independente carioca e abrindo shows importantes do Forfun — em ocasiões distintas, como na Lona Cultural de Bangu (Lona Hermeto Pascoal), Clube Naval e Méier — onde se apresentaram para públicos muito maiores do que estavam acostumados.

         

          A convivência e o incentivo direto dos integrantes do Forfun foram fundamentais para a evolução da banda. Durante esse mesmo período, a banda manteve o espírito faça-você-mesmo vivo: gravaram CDs de forma caseira, com equipamentos simples e produção independente. Esses discos eram copiados e distribuídos de mão em mão, fortalecendo o vínculo com o público de maneira orgânica e genuína. A divulgação acontecia de forma criativa e espontânea, através das plataformas da época — Orkut, Fotolog, PureVolume — e também pela transferência direta de arquivos via MSN Messenger, prática comum entre os jovens da década. 

         Paralelamente a esse processo, surge a ConeCrewDiretoria, que também começa a gravar suas músicas e a ganhar cada vez mais reconhecimento no underground carioca e posteriormente em todo Brasil. Essa aproximação natural levou a Banda Cone a se unir à ConeCrewDiretoria em diversos eventos, abrindo shows e participando de momentos marcantes, como a Qix Tour, o lançamento do álbum divisor de águas no rap Brasil, Ataque Lírico (2007 - ConeCrewDiretoria), além de festas e eventos independentes.

          Posteriormente, a Banda Cone retornou ao estúdio para gravar a próxima leva de músicas. O som apresentava-se mais polido e maduro, resultado da evolução técnica e da experiência adquirida nos palcos, mas sem abrir mão da atitude crítica, humor ácido e energia punk que sempre caracterizaram o grupo.  As músicas desse novo momento foram produzidas por Vidaut no estúdio do baixista da banda Maldita e mais alguns anos depois por Alexandre Griva no Melhor do Mundo Studios, trazendo uma nova dimensão sonora à banda, com arranjos mais definidos e produções mais refinadas.

 

          Embora a sonoridade mantivesse o espírito de protesto e autenticidade, passou a incorporar elementos de reggae e ska, abrindo espaço para novas influências e revelando o primeiro vislumbre da veia pop que Ari desenvolveria mais tarde, tanto com a ConeCrewDiretoria, quanto em sua carreira solo.

 

          Faixas como “Bota o Gorro” e “V.S.F.” preservavam a energia punk e a postura contestadora das origens, enquanto canções como “Alteza”, “Chapadão” e “Uzominãosomi” introduziam uma estética mais fluida e atmosférica, marcada por letras introspectivas e melodias expansivas. A faixa “Dizem Que Sou Louco” também refletia essa transição — com um clima pop — representando o ponto de virada da Banda Cone em direção a uma fase mais aberta. Destaca-se o cover de “Ain’t No Sunshine”, reinterpretado com uma pegada reggae inspirada em Sublime, além da faixa “Pólem”, uma gravação voz e violão, mais intimista e crua.

 

         A Banda Cone foi um primeiro passo importante — o laboratório onde som e identidade se misturaram até se tornarem indissociáveis. Da urgência dos ensaios em salas apertadas com muitos amigos às guitarras afiadas e letras que provocavam, a atitude nos primeiros shows, o grupo já carregava a faísca que depois incendiaria a ConeCrewDiretoria. O que nasceu da vontade de gritar o que se sentia evoluiu sem perder o pulso: o sarcasmo virou rima, a crítica ganhou flow, e a rebeldia encontrou novas batidas. A transição não foi ruptura, foi continuidade — a mesma raiz agora em outra frequência. A história da Banda Cone não termina; ela se dissolve na que veio depois, deixando o eco do primeiro grito ainda vibrando, como se cada nota ainda lembrasse de onde veio.

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